sexta-feira, 7 de março de 2008

Uma pausa pedagógica

Ou: o paradigma da valorização do não-saber como um saber a ser reconstruído.

Atenção: esse texto destina-se aos colegas professores. Alunos podem ignorá-lo sem nenhum problema.

Um aspecto bastante positivo apresentado pelo Jornal do Aluno na disciplina de Física foi a proposta de questões e pequenos textos onde o aluno deve exercitar sua capacidade de expressão e de análise. Muitas questões propostas como “motivadoras” na verdade se apresentam como “assustadoras” para muitos alunos (e talvez para alguns professores), mas é possível e necessário transformar esse “pânico” em uma atitude positiva diante da aprendizagem.

Por exemplo, no início da aula 4 (Tema 2, pág. 31 do jornal da primeira série) há a seguinte proposta para a elaboração de um texto: “Você já imaginou como seria o mundo, a vida, se não existisse o tempo? Já imaginou o que aconteceria se o tempo parasse?”. Certamente a intenção do autor dessa proposta foi a de estimular a reflexão sobre o conceito que esses alunos têm sobre o tempo (“A sensibilização sobre o tema ‘tempo’ motiva o aluno a considerar uma situação em que o tempo não existisse. As respostas dos alunos darão elementos para que o professor os conheça ainda mais”. Revista do Professor, pág. 19 - Disciplina de Física). A mim parece evidente que, por melhor que tenha sido a intenção do autor, o tema “tempo” ainda hoje provoca profundas reflexões entre especialistas e, fisicamente falando, a proposta de reflexão do autor é um experimento mental impossível (que só será feita pelo desconhecimento dessa impossibilidade). Como o aluno reage diante disso? Como nós, professores, reagimos diante dos textos produzidos pelos alunos?

A seguir, na mesma aula, são feitas várias perguntas que demandam estimativas de duração de determinados eventos, como por exemplo: “Quanto demora uma piscada?”, dentre várias outras. Nesse caso, diferentemente do anterior, o aluno poderá fazer essa estimativa da forma sugerida pelo autor, isto é, na base do “chute”, e o máximo que o professor poderá fazer é analisar com o aluno a viabilidade desse chute. Como a Revista do Professor não fornece uma resposta para essa questão, o professor deverá buscar informações em outras fontes (veja nesse link uma fonte interessante sobre “Rapidez de reflexos”).

Então chegamos ao ponto crucial dessa conversa: nem o aluno, nem o professor (em geral), saberão a resposta da maioria das perguntas feitas no referido trecho. Para o professor isso pode demandar um tempo extra de pesquisas, ou algum jogo de cintura para contornar o fato de que ele não terá como fornecer essas informações aos alunos sem algum esforço extra, mas, e para os alunos? Como lhes parecerá a situação em que são instigados a fornecerem respostas para “perguntas sem respostas disponíveis para consulta”? É justamente aí que, creio eu, instala-se o pânico nesse aluno que vem sendo massacrado ao longo do Ensino Fundamental com um modelo de escola onde “é preciso saber as respostas corretas” e, por outro lado, abre-se a possibilidade de aproveitarmos essa “sensibilização às avessas” para abordarmos um novo paradigma de ensino-aprendizagem (que, de fato, já é bem velho).

Se essas propostas de textos reflexivos e questões estimativas puderem ser úteis para que o professor inicie com seus alunos um trabalho de mudança da maneira como eles, alunos (e mesmo alguns professores), vêem a escola, mostrando ao aluno que a condição do “não-saber” pode ser encarada como uma forma natural de abordagem de qualquer tema que se está estudando e que, além disso, esse “não-saber” não será punido ou escarnecido, então talvez a reação de desespero de muitos alunos possa se transformar em uma reação de curiosidade sobre sua própria capacidade de fazer suposições, estimativas e avaliações sobre temas para os quais ele não tem uma “resposta decorada”. Por outro lado, cabe ao professor compreender que esse não-saber é angustiante para o aluno até ele se adapte a um modelo de ensino que o aceite como forma natural de expressão de um conhecimento “bruto”.

Vivenciei essa situação ao longo de toda a semana e, principalmente nas classes dos primeiros anos, onde o ranço “decoreba”, o imediatismo e o pragmatismo herdado do Ensino Fundamental ainda são fortes entre os alunos, e tive que investir uma parte significativa das aulas para lhes apresentar esse novo paradigma: a valorização do não-saber como um saber a ser reconstruído.

O resultado final parece ter sido bom, embora eu ainda não tenha finalizado a avaliação sobre as produções dos alunos.

Retirar das costas dos alunos o peso de “terem que saber a resposta certa” abre para eles a possibilidade de expressarem suas concepções prévias sem o risco de “estarem errados” e, acima de tudo, inaugura em muitos deles uma nova relação professor-aluno.

Um comentário:

PEI EE Ryoiti Yassuda disse...

José Carlos me parece muito interessante essa reflexão principalmente porque esse vício de responder a tudo também é nosso (dos professores)em algumas salas escutei muito essa semana: o(a)professor(a) do ano passado mal dava tempo da gente pensar e já respondia o que ele(a) tinha proposto. No primeiro ano estou sem elementos para avaliar de forma comparativa, pois tenho apenas uma sala de regular, composta quase integralmente por retidos do ano anterior, ainda estamos travando uma batalha para deixar claro o papel do aluno e relaçãoe que levam a aprendiazagem ( no noturno), mas esse é um outro problema...rs
Até

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