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domingo, 12 de fevereiro de 2012

Tenho um dragão na minha garagem. E agora?...Chame a ciência!

Como parte das atividades das duas semanas iniciais, meus alunos do primeiro colegial se depararam com o problema de compreender o conceito de Ciência e, dentro desse escopo, da Física como ciência básica.

Mas como entender o que é ciência e o que não é ciência em um mundo onde a ciência foi endeusada, graças à tecnologia, e passou a ser o "objeto de desejo" de todos aqueles que querem dar algum ar de "verdade" às suas alegações?

A propaganda faz uso da ciência sempre que quer nos convencer de que algo "funciona". Os garotos-propaganda de pasta de dente, por exemplo, são dentistas, não é? Todos os vendedores de "colchões magnéticos" gostam de dizer que "foi cientificamente comprovado que...", e o mesmo vale para os vendedores de qualquer outra coisa quando se quer que essa coisa pareça "confiável".

Num mundo consumista repleto de picaretas de todo tipo tentando nos empurrar tralhas que pretensamente "foram atestadas pela ciência", compreender o que de fato pode ser científico e o que não pode é fundamental e, portanto, não é mera exigência curricular ou pretexto para afirmar a Física como Ciência.

Karl Popper
Uma ótima forma que encontrei de abordar o conceito de Ciência baseia-se no critério de refutabilidade de Karl Popper (“Um enunciado ou teoria é falsificável,  segundo o meu critério, se e só se existir,  pelo menos um falsificador potencial” - POPPER, K.R. O Realismo e o Objetivo da Ciência. Lisboa: D. Quixote, 1987a.).

Carl Sagan
A forma que encontrei para apresentar isso de maneira palatável ao aluno foi tomar emprestado (com as devidas adaptações que a sala de aula exige) a passagem do livro "O Mundo Assombrado Pelos Demônios", de Carl Sagan, onde ele exemplifica o critério de refutabilidade a partir da situação hipotética de alguém que afirma "ter um dragão em sua garagem".

Na prática o que fiz foi encenar a situação descrita no livro afirmando para a minha classe: "Tenho um dragão na minha garagem. Como vocês podem comprovar se há mesmo um dragão lá?".

Curiosamente os meus adoráveis alunos do 1D seguiram um roteiro bastante parecido com o que Sagan imaginou em seu livro, o que me leva a reforçar ainda mais minha admiração por ele e sua capacidade de tornar a ciência palatável aos mortais comuns e, por outro lado, estou ainda mais convencido de que esses meninos e meninas só não têm notas excepcionais nas avaliações externas porque nós, responsáveis pela Educação, não estamos conseguindo dar conta de oferecer a eles a educação que eles merecem, e não porque tenham alguma "dificuldade natural".

Segue-se um resumo editado do diálogo em sala de aula (A indicação "Aluno" refere-se a vários alunos que interviram opinando. Nem todas as intervenções estão relatadas):

Prof. JC: Tenho um dragão na minha garagem. Como vocês podem comprovar se há mesmo um dragão lá?
Aluno: Vou lá e tiro uma foto dele. [Solução de comprovação prática e inteligente. +]
Prof. JC: Infelizmente não será possível, pois meu dragão é invisível.
Aluno: Jogamos (borrifamos) tinta na garagem, então ele vai aparecer. [extraordinário! +++]
Prof. JC: Também não vai dar, porque meu dragão é imaterial, ou seja, a tinta vai atravessá-lo.
Aluno: Colocamos um pote de comida (de dragão) na garagem. Se a comida sumir é porque há um dragão que comeu a comida. [Incrível! Dedução indireta baseada em princípios de conservação. +++++]
Prof. JC: Meu dragão não precisa de alimento. Então isso também não vai dar certo.

Após algumas pausas e outras sugestões de teste também frustradas pelo professor, chegamos enfim ao clímax do desânimo, quando os alunos começam a achar que esse dragão é obviamente "impossível"! E eis que então Popper e Sagan devem ter brindado em suas tumbas, pois está claro então que:

1 - Esse dragão pode ou não existir mas, definitivamente, não pode ser colocado como uma verdade científica, já que não pode ser "testado" de nenhuma forma;
2 - A Ciência se ocupa do estudo dos fenômenos naturais utilizando-se de métodos de pesquisa, experimentação, teorização e sistematização que são passíveis de refutabilidade;
3 - A Ciência não afirma verdades absolutas, mas tão somente constrói teorias coerentes em si mesmas e não conflitantes com outras teorias, leis e princípios da própria ciência;
4 - A Ciência, por seus métodos, é dinâmica, mutável, humana, sujeita à críticas e revisões constantes e, por isso mesmo, progride e aperfeiçoa-se cada vez mais.

E você? Tem algum dragão na sua garagem?

3 comentários:

Química Virtual disse...

Oi Zé! Eu já havia feito isso ano passado, com as oitavas séries. Não sei se fui bem sucedido, talvez com alunos de mais maturidade tenha mais resultado. Vou tentar novamente!

Vera Mossmann disse...

Parabéns! Adorei!!

Jairo Grossi disse...

Achei muito boa a ideia, e até penso em testá-la na prática em minhas aulas.
Converso com meus alunos, e muitos deles dizem acreditar em ETs, pulseiras quânticas, Monstro do Lago Ness, energia das pedras, horóscopos,tarôs, búzios, e por aí vai.
Precisamos urgentemente fazê-los compreender como se aplica o método científico,sob pena de termos uma geração que poderá pensar que será possível trocar os bate-papos na internet, que eles tanto gostam, e que só foram possíveis graças ao avanço da ciência e tecnologia, por conversas "telepáticas" à distância.