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quinta-feira, 9 de agosto de 2012

A Física nos desenhos animados

Exercícios de cálculo são
 importantes, mas insuficientes.
Compreender e saber utilizar as três leis da Mecânica Clássica propostas por Sir Issac Newton vai muito além de saber o que elas dizem ou mesmo ser capaz de enunciá-las.
Ao resolver problemas (ou exercícios de fixação) os alunos normalmente se preocupam em "como aplicá-las para se chegar a uma resposta válida", mas raramente se consegue uma boa compreensão dessas leis apenas com "aplicações mecânicas, seguindo receitas de bolo".
Um bom exercício para aprimorar a compreensão dessas leis consiste em aplicá-las para identificar "situações impossíveis", ou seja, situações onde essas leis estejam sendo visivelmente transgredidas. Mas como fazer isso se essas leis são justamente proposições sobre como as coisas se dão? Onde encontrar exemplos de violação de leis e princípios que são, por definição, "invioláveis"?
O lugar certo para isso são as "telas de diversão": o cinema e a TV.
Tanto nos filmes de ficção científica, ação, aventura, etc., quanto nos desenhos animados há uma persistente e notória transgressão de todas as leis da Física (e do bom senso!). Colocar o aluno diante de um desses filmes e pedir a ele que identifique algumas dessas situações é uma ótima maneira de levá-lo a pensar e compreender a extensão e validade dessas leis.
Papa-Léguas: esse moço é um
delinquente das leis de Newton!
Porém, filmes são geralmente longos e ninguém gosta de assistir apenas a um pequeno trecho de um filme. Uma solução alternativa consiste em usar desenhos animados de curta duração.
O melhor exemplo de que me lembro de desenhos que tragam violações absurdas das leis da mecânica, e que sejam divertidos e curtos, é a série de desenhos do "Papa-Léguas" (ou Road Runner).
Com um projetor multimídia ligado a um notebook e uma pequena caixa de som amplificada, você pode "levar o cinema para dentro da sala de aula" e explorar a possibilidade de exercitar, avaliar e consolidar a compreensão sobre as três leis de Newton em uma atividade que requer, no máximo, 10 minutos de projeção e mais uns vinte de discussão.
Para propor uma atividade como essa você pode adaptar o roteiro a seguir:
  1. certifique-se de que os alunos já tiveram conhecimento das três leis de newton;
  2. selecione um desenho do Papa-Léguas e projete-os para a classe;
  3. instrua os alunos para que escolham livremente uma cena qualquer do desenho onde haja claramente uma violação de alguma das três leis de Newton;
  4. discuta com a classe algumas das escolhas dos alunos  (pelo menos uma escolha envolvendo cada uma das três leis e, se possível, duas escolhas de cada uma das leis);
  5. peça aos alunos que "expliquem" porque houve violação e faça os "reparos" necessários de maneia que todos compreendam como foi possível chegar à conclusão sobre a violação a partir da compreensão de uma lei de movimento que descreve o comportamento esperado do fenômeno.
Alunos assistindo a um desenho do Papa-Léguas para depois
apontarem trechos onde houve a "violação" de alguma das
três leis de Newton.

Experimente e depois, se quiser, relate sua experiência nos "comentários" dessa postagem.


quarta-feira, 7 de março de 2012

O mistério da caixinha de Glub-Glub

Ainda na linha da compreensão da metodologia científica, e após discutir o princípio da refutabilidade da forma como apontei no post "Tenho um dragão na minha garagem. E agora?...Chame a ciência!", na aula seguinte o desafio natural para os alunos consiste em "criar modelos explicativos" para algo existente, mas desconhecido e "inviolável".

A grande verdade é que "a ciência não faz descobertas" (dizer que a ciência faz descobertas é uma espécie de licença poética concedida aos leigos), ela constrói "modelos explicativos" e, propõe leis, princípios e teorias que apóiam esses modelos. Pensando nisso, nada melhor do que deixar os alunos vivenciarem uma situação dessas.

Esta é a misteriosa
Caixinha de Glub-Glub do Prof. JC
A minha Caixinha de Glub-Glub é um dispositivo inviolável que deve possuir algum tipo de mecanismo que a faça se comportar da maneira como ela se comporta: "Quando um palito é puxado para fora, o outro também sai e, quando um palito é empurrado para dentro, o outro também entra".

Minha caixinha foi construída em 2008 e logo em seguida eu tomei uma pílula do esquecimento, de maneira que nem eu mesmo sei dizer agora como ela funciona. O desafio para os alunos consiste em propor modelos que expliquem seu funcionamento, inferir que materiais são usados em sua construção e, ao final, "se conformarem" com a idéia de que NUNCA, JAMAIS, DE FORMA ALGUMA, EM NENHUMA HIPÓTESE, eles saberão de fato o que há dentro dessa caixinha.

Em 2009 um aluno do EJA (Ensino de Jovens e Adultos) se encantou com a idéia e resolveu construir sua própria caixinha, que ele chamou de "Caixinha do Curioso", e publicou um vídeo no Youtube mostrando seu mecanismo (mas esqueceu de mostrar seu comportamento visto exteriomente, he he). A caixinha dele é, obviamente, diferente da minha, mas dá uma idéia boa de que dentro da minha caixinha também é possível que "existam coisas". :)

A parte legal dessa atividade é ver o desespero dos alunos ao receberem a notícia de que JAMAIS saberão se seus modelos da Caixinha de Glub-Glub correspondem à realidade e, por associação, que o que a ciência "explica" também pode não ter uma relação (tão direta quanto imaginamos) com qualquer realidade, muito embora essa explicação seja a "mais plausível" até o momento.

Muita discussão, hipóteses
e "explicações curiosas". :)
É comum que depois dessa atividade alguns alunos se sintam encorajados a criarem suas próprias caixinhas, ou que resolvam se empenhar em encontrar um "modelo melhor" do que o que encontraram antes para explicar a minha caixinha.

Cabe aqui ressaltar que a idéia dessa atividade consta no material de apoio ao professor produzido pela SEE-SP para o ensino de física moderna (segundo semestre do terceiro ano), mas que eu a adaptei para o início do primeiro ano por entender que é nesse momento que os alunos estão mais propensos a começarem a compreender a ciência como uma construção humana.

É uma pena que com míseras duas aulas semanais de 50 min e um pseudo-currículo do período jurássico não possamos oferecer esse tipo de aulas muitas outras vezes ao longo do ano. Infelizmente foram enxertando o currículo do Ensino Médio com tantas disciplinas e reduzindo tanto a carga horária da área de Ciências da Natureza que hoje em dia mal damos conta de "apresentar levemente a ciência" aos alunos.

domingo, 12 de fevereiro de 2012

Tenho um dragão na minha garagem. E agora?...Chame a ciência!

Como parte das atividades das duas semanas iniciais, meus alunos do primeiro colegial se depararam com o problema de compreender o conceito de Ciência e, dentro desse escopo, da Física como ciência básica.

Mas como entender o que é ciência e o que não é ciência em um mundo onde a ciência foi endeusada, graças à tecnologia, e passou a ser o "objeto de desejo" de todos aqueles que querem dar algum ar de "verdade" às suas alegações?

A propaganda faz uso da ciência sempre que quer nos convencer de que algo "funciona". Os garotos-propaganda de pasta de dente, por exemplo, são dentistas, não é? Todos os vendedores de "colchões magnéticos" gostam de dizer que "foi cientificamente comprovado que...", e o mesmo vale para os vendedores de qualquer outra coisa quando se quer que essa coisa pareça "confiável".

Num mundo consumista repleto de picaretas de todo tipo tentando nos empurrar tralhas que pretensamente "foram atestadas pela ciência", compreender o que de fato pode ser científico e o que não pode é fundamental e, portanto, não é mera exigência curricular ou pretexto para afirmar a Física como Ciência.

Karl Popper
Uma ótima forma que encontrei de abordar o conceito de Ciência baseia-se no critério de refutabilidade de Karl Popper (“Um enunciado ou teoria é falsificável,  segundo o meu critério, se e só se existir,  pelo menos um falsificador potencial” - POPPER, K.R. O Realismo e o Objetivo da Ciência. Lisboa: D. Quixote, 1987a.).

Carl Sagan
A forma que encontrei para apresentar isso de maneira palatável ao aluno foi tomar emprestado (com as devidas adaptações que a sala de aula exige) a passagem do livro "O Mundo Assombrado Pelos Demônios", de Carl Sagan, onde ele exemplifica o critério de refutabilidade a partir da situação hipotética de alguém que afirma "ter um dragão em sua garagem".

Na prática o que fiz foi encenar a situação descrita no livro afirmando para a minha classe: "Tenho um dragão na minha garagem. Como vocês podem comprovar se há mesmo um dragão lá?".

Curiosamente os meus adoráveis alunos do 1D seguiram um roteiro bastante parecido com o que Sagan imaginou em seu livro, o que me leva a reforçar ainda mais minha admiração por ele e sua capacidade de tornar a ciência palatável aos mortais comuns e, por outro lado, estou ainda mais convencido de que esses meninos e meninas só não têm notas excepcionais nas avaliações externas porque nós, responsáveis pela Educação, não estamos conseguindo dar conta de oferecer a eles a educação que eles merecem, e não porque tenham alguma "dificuldade natural".

Segue-se um resumo editado do diálogo em sala de aula (A indicação "Aluno" refere-se a vários alunos que interviram opinando. Nem todas as intervenções estão relatadas):

Prof. JC: Tenho um dragão na minha garagem. Como vocês podem comprovar se há mesmo um dragão lá?
Aluno: Vou lá e tiro uma foto dele. [Solução de comprovação prática e inteligente. +]
Prof. JC: Infelizmente não será possível, pois meu dragão é invisível.
Aluno: Jogamos (borrifamos) tinta na garagem, então ele vai aparecer. [extraordinário! +++]
Prof. JC: Também não vai dar, porque meu dragão é imaterial, ou seja, a tinta vai atravessá-lo.
Aluno: Colocamos um pote de comida (de dragão) na garagem. Se a comida sumir é porque há um dragão que comeu a comida. [Incrível! Dedução indireta baseada em princípios de conservação. +++++]
Prof. JC: Meu dragão não precisa de alimento. Então isso também não vai dar certo.

Após algumas pausas e outras sugestões de teste também frustradas pelo professor, chegamos enfim ao clímax do desânimo, quando os alunos começam a achar que esse dragão é obviamente "impossível"! E eis que então Popper e Sagan devem ter brindado em suas tumbas, pois está claro então que:

1 - Esse dragão pode ou não existir mas, definitivamente, não pode ser colocado como uma verdade científica, já que não pode ser "testado" de nenhuma forma;
2 - A Ciência se ocupa do estudo dos fenômenos naturais utilizando-se de métodos de pesquisa, experimentação, teorização e sistematização que são passíveis de refutabilidade;
3 - A Ciência não afirma verdades absolutas, mas tão somente constrói teorias coerentes em si mesmas e não conflitantes com outras teorias, leis e princípios da própria ciência;
4 - A Ciência, por seus métodos, é dinâmica, mutável, humana, sujeita à críticas e revisões constantes e, por isso mesmo, progride e aperfeiçoa-se cada vez mais.

E você? Tem algum dragão na sua garagem?