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sexta-feira, 21 de março de 2008

Quinta semana (Relato do professor)

"Escriba", do latim scriba, ou "copista", do francês copiste, são sinônimos de uma das profissões mais antigas do mundo e que, com a invenção da imprensa por Gutemberg, deixou de existir da mesma forma como muitas profissões atuais estão desaparecendo.

Com a tecnologia da impressão tipográfica, as pessoas cuja profissão consistia em "copiar textos manualmente" deixaram de ter importância e foram substituídas por maquinas burras e rápidas que fazem milhares de cópias perfeitas e baratas. Não me canso de contar essa história para meus aluninhos queridos toda vez que os vejo preocupadíssimos em "copiar algo" e pouco dispostos a "produzir algo".

Alguém os ensinou, desde há muito tempo, que o "bom aluno" é aquele que tem o caderno bonitinho, com tudo copiado certinho da lousa, e que isso basta para o que se espera deles na escola. E esse "ensinamento" foi tão profundo e bem feito que mesmo agora, no Ensino Médio, me vejo rotineiramente no meio de alunos que querem saber se "é preciso copiar no caderno" ou, que ficam à espreita, como hienas copistas, à espera de um colega presa-fácil para atacar e copiar. Esses alunos acreditam que se tiverem algo copiado em seus cadernos, não importando o que seja e nem que valor tenha, menos ainda quem seja o autor, isso será suficiente para "demonstar por A + B" que eles "estão participando, estudando e aprendendo". Depois, orgulhosos, mostrarão o caderno cheio de cópias para a mamãe e para o professor e, imbuídos de um profundo senso de dever cumprido, reivindicarão o status de "bons alunos".

O Jornal do Aluno está repleto de propostas de pesquisas, mas a sala está repleta de alunos indispostos a pesquisar. Quando o fazem acreditam que "a coleta de informações" é suficiente (e aí tenho que lhes dizer novamente que já fomos caçadores e coletores, mais isso foi a milhares de anos atrás, antes de inventarmos a civilização). Ver exigido pelo professor que se saiba o que foi coletado, para que serve, de onde foi extraído e qual a relevância disso para o assunto pesquisado, bom, isso é coisa de professor cruel que gosta de massacrar o pobre aluno. Alguns, muitos, alunos resolvem esse dilema da forma mais simples possível: "esqueci de pesquisar". :)

Propostas interessantes que sugerem aos alunos que façam estimativas, por exemplo, viram balcão de chutes. E lá vamos nós de novo, agora para ensinar aos alunos como se faz estimativas. Vamos com fé e paciência tentar convencer o aluno de que ele pode imaginar um caramujo (e provavelmente já tenha visto vários deles na vida) e então estimar a distância que ele anda em um minuto para, dessa forma, poder ter uma estimativa da velocidade do pobre molusco gastrópode...

Todas essas "coisas banais" faltam a muitos alunos, assim como falta saber que se deve multiplicar e dividir antes de somar e subtrair; que frases são mais compreensíveis quando têm sujeito e predicado (ainda que não haja muita concordância e sobrem erros ortográficos); que grandezas têm unidades e que ninguém em sã consciência, exceto, talvez, nas aulas de física, diria para o colega que tem uma altura de 1,8 km/h ou que um saquinho de açúcar tem massa de 1 h.

Essa é minha "avaliação superficial" do impacto do uso do Jornal do Aluno por alunos que passaram oito anos na escola fundamental e não só não aprenderam quase nada como também desaprenderam que podem aprender. "Passar matéria na lousa" (ô expressãozinha miserável essa!!!) ou "vomitar conteúdo" (professores preferem mais essa última) é ótimo para "cumprir programação", para "dar conta do currículo" e para "encher cadernos para mamãe ver e cadernetas para o coordenador/supervisor vistar com vista grossa" mas, definitivamene, não têm nenhum impacto na aprendizagem se o foco dessa não for no desenvolvimento das tais "habilidades" de que tanto se tem falado na última década.

Na contrapartida, para focar na aprendizagem, é preciso ter em mente que o aluno do primeiro colegial chega no Ensino Médio, aos 14 ou 15 anos, com uma bagagem de habilidades e competências equivalente a esperada para um aluno da terceira ou quarta série do Ensino Fundamental. Querer que esse aluno dê um "salto qüântico" para uma órbita de quatro ou cinco "anos pedagógicos" à frente não chega nem a ser utopia, me parece falta de realismo científico mesmo. Que a educação não é uma ciência exata, sabemos todos nós, mas daí a aplicar métodos de curanderismo pedagógico já é exoterismo demais.

Nessa avaliação preliminar sobre as práticas desenvolvidas com o Jornal do Aluno já se pode tirar muitas lições importantes. Vou tentar resumí-las (as que eu creio que tirei dessa experiência) no final desse período, depois de 30/03. Adianto desde já que estou profundamente satisfeito com a experiência e que pela primeira vez posso confrontar diretamente "as crenças e mitos teórico-norteadores", expressas em determinadas diretrizes, orientações e discursos políticos, com a realidade nua, crua e insistentemente ignorada das salas de aula. Talvez esse contraponto entre a realidade e a "inspiração" possa ajudar a nortear o planejamento para o resto do ano e, com um pouco mais de fé, talvez também ajude a aclarar um pouco mais o caráter subjetivo com que avaliações como o SARESP podem nortear currículos e propostas.

Esperemos pela sexta semana...

quinta-feira, 20 de março de 2008

Galileu Galilei e a Inquisição

Nas aulas finais do Jornal do Aluno dos segundos e terceiros anos aborda-se um pouco da história da ciência ou, mais especificamente, de uma mudança de paradigma que ficou conhecida como "A revolução Copernicana". Um dos personagens citados que exerceu papel central nessa trama foi Galileu Galilei.

Dentre seus muitos feitos, Galileu Galilei foi também um defensor da mobilidade da Terra e, também por causa disso, foi levado ao Tribunal da Inquisição sob a acusação de heresia (um pecado cometido contra os ensinamentos da Igreja Católica). A história é longa e complexa, mas seu final foi coroado com um documento em que Galileu Galilei renega suas crenças para ser poupado do resto do processo de Inquisição (veja as "fofocas" no final dessa matéria) e receber uma pena menor (prisão domiciliar).

O documento de Galileu renegando suas crenças heréticas é conhecido como "A abjuração de Galileu" e se encontra disponível no museu de Firenze (Itália). Como é um documento histórico importante e, sob muitos aspectos, "didático", forneço a seguir uma tradução dele. A tradução é de minha responsabilidade e baseia-se no original italiano e em versões traduzidas para o inglês.

Eu, Galileu Galilei, filho do falecido Vicenzio Galileu, de Florença, tendo 70 anos de idade, sendo trazido pessoalmente a julgamento, e ajoelhado diante de vós, Eminentíssimos e Revenrendíssimos Lordes Cardeais, Inquisidores Gerais da Comunidade Cristã universal contra a depravação herética, tendo diante de meus olhos o Sagrado Evangelho que toco com as minhas próprias mãos, juro que sempre acreditei, acredito agora, e com a ajuda de Deus continuarei acreditando no futuro em todo artigo que a Santa Igreja Católica Apostólica Romana mantém, ensina e prega. Mas por ter sido ordenado, por este Conselho, a abandonar completamente a falsa opinião que mantém que o Sol é o centro do universo e imóvel, e que a Terra não é o centro do mesmo e que se move, e que eu não vou manter, defender nem ensinar de nenhuma outra maneira, nem oralmente nem por escrito, essa dita falsa doutrina; e que mesmo depois de ter recebido uma notificação que disse que essa doutrina é contrária às Sagradas Escrituras, eu escrevi e publiquei um livro no qual eu considerei correta essa doutrina condenada e levei adiante argumentos muito persuasivos em seu favor sem lhes responder: Eu fui julgado veementemente suspeito de heresia, por ter assegurado e acreditado que o Sol está no centro do universo e é imóvel, e que a Terra não está no centro e que se move. Dessa forma, a fim de remover completamente das mentes de Vossas Eminências e de todos os cristão fiéis essa veemente suspeita acertadamente mantida contra mim, eu abjuro com o coração sincero e a fé mais pura esses erros e heresias, e amaldiçoo e destesto os referidos erros e heresias, bem como todo erro, heresia ou seita contrária à Santa Igreja Católica. E eu juro que no futuro não direi nem asseverarei oralmente ou por escrito essas coisas nem aquelas que me forem similarmente suspeitas; e se eu ficar sabendo de algum herético, ou de um suspeito de heresia, eu irei denunciá-lo para este Santo Ofício, ou para o Inquisidor ou para o Ordinário do lugar onde eu estiver.


Algumas pequenas fofocas sobre Galileu

Dizem, as más línguas, que Galileu tinha tanta ou mais inteligência que Giordano Bruno mas que, apesar de terem as mesmas crenças sobre o modelo copernicano, Galileu não era tão dado ao heroísmo quanto Giordano.

Nos processos de Inquisição da época, como forma inicial de pressionar e impressionar os acusados, estes eram levados até as salas de tortura onde o carrasco lhes apresentava os instrumentos utilizados para que o acusado confessasse suas heresias. Dizem que Galileu não teve estômago nem para passar para a próxima fase, que era um interrogatório formal, ainda sem tortura física. Pura maldade dessa gente faladeira?

Galileu também foi religioso e também foi condenado pela inquisição por suas idéias heréticas a respeito do movimento da Terra, mas conseguiu escapar da fogueira, ao contrário de Giordano Bruno e, tendo abjurado, cumpriu prisão domiciliar pelo resto da vida. Conta-se que ao sair da sala de interrogatório, onde teve que jurar serem falsas suas crenças sobre o movimento da Terra, juramento que Giordano se negou a fazer e por isso foi queimado, Galileu visivelmente irritado teria sussurrado: “Mas que ela se move se move!”.

Em 1982, o papa João Paulo II retirou as acusações de heresia feitas contra Galileu pela Santa Inquisição e em 1992, 360 anos após sua condenação, Galileu foi reconhecido como "físico genial" pelo papa. Desde então a Terra já pode girar em paz ao redor do Sol.

terça-feira, 18 de março de 2008

Mais um "errinho" corrigido

Nota para professores (Alunos, por favor, não leiam, he he).

No Jornal do Aluno dos primeiros anos foi utilizada uma questão do ENEM 98 (na verdade o enunciado referia-se originalmente a duas questões da prova do ENEM 98: as questões 59 e 60 da versão "amarela"). Nessa questão proposta no Jornal do Aluno temos um gráfico e, sobre ele, são feitas várias perguntas, sendo a primeira delas: "Qual foi o tempo desta corrida? Compare com os resultados de sua pesquisa".

A resposta proposta fornecida na Revista do Professor é que o tempo da corrida foi de 15 s. Infelizmente a resposta está ERRADA. Vejamos porque:

O enunciado da questão diz que trata-se de uma corrida de 100 m e, portanto, ela termina quando os corredores chegam ao final do percurso de 100 m. No entanto, sabemos que em um gráfico de velocidade por tempo o deslocamento feito em dado intervalo de tempo corresponde numericamente à área sob o grafico v X t (veja a figura abaixo).


Assim, como no gráfico cada quadradinho tem uma área de valor 1 (um) e, portanto, corresponde a 1 m de deslocamento, bastaria ao aluno contar os quadradinhos sob a curva do gráfico, fazendo as aproximações devidas para quadradinhos incompletos, e responder fornecendo o tempo correspondente ao valor da direita da última coluna preenchida. Contando os quadradinhos da figura até 100, obtemos um tempo de corrida de, aproximadamente, 11 s.

Curiosamente eu fiz isso com os meus alunos e somente depois é que fui verificar que o "gabarito" da Revista do Professor estava errado. Curiosamente também, é muito interessante discutir o método de cálculo do deslocamento por meio da área do gráfico (principalmente em casos que, como esse, a área não é de uma figura regular) e creio que outros colegas devam ter percebido o engano do autor ao resolverem o problema da forma correta, isto é, por meio da área do gráfico.

Em todo caso, se algum colega deu como resposta correta aquela que o autor sugeriu (15 s), por favor, corrija enquanto é tempo. Pior do que não ensinar é ensinar errado.

Potência, intensidade e ruído de fundo

Esse comentário é só para distrair:

Nas aulas 9 e 10 do Jornal do Aluno dos segundos e terceiros anos o tema é "Nas ondas do rádio". Em dado momento fala-se em "potência" e "intensidade", sendo que a primeira refere-se à quantidade de energia emitida por segundo pela estação transmissora de rádio e a segunda refere-se à quantidade de energia por segundo recebida por metro quadrado em um ponto a uma certa distância da estação transmissora. A idéia é explorar a variação da intensidade com o inverso do quadrado da distância e deixar claro que essa intensidade diminui rapidamente a medida que nos afastamos da estação transmissora.

Cabe aqui um pequeno comentário sobre a dificuldade de ouvir o professor para o aluno que se senta no "fundão", pois vale a mesma regra para a intensidade sonora que chega até ele provinda do professor. Mais interessante ainda é discutir a impossibilidade de nossos ouvidos "sintonizarem" apenas o som do professor e ignorarem os sons dos colegas falando ao lado (e que, mesmo falando mais baixo que o professor, fazem chegar uma intensidade sonora equivalente à do professor falando alto).

Por fim, se houver tempo e disposição, pode-se complementar discutindo o curioso fato de que nosso aparelho auditivo responde de forma logarítmica à intensidade do som recebido, ou seja, para que a intensidade seja sentida pelo aluno como o "dobro" é preciso um incremento físico de potência dez vezes maior.

Resumindo: um professor berrando feito louco na lousa não consegue ganhar "no grito" de um aluno conversando tranquilamente ao lado do outro. :)